sexta-feira, 22 de setembro de 2017

brisa suburbana

com Claudio Santos


O frio disfarçado caracteriza a noite
Andar por essas ruas virou tradição
Os carros conseguem ler meus sentimentos
Dezoito anos de amizade, os telhados me viram crescer

Telhados de barro, telhas de amianto, até de alumínio tem
Elas cobrem nossas cabeças, mas não as memórias
A brisa que balança meu cabelo as leva para longe

Admito que não gostaria de manter os pensamentos aqui
A brisa, experiente como sempre
Faz questão de levar minhas memórias para longe
Levar minhas memórias até você

Até você, elas seguem um caminho longo e torto
Para que tanta distância?
Crescemos juntos nas ruas que percorro agora
Tropeço na pedra do seu choro,
Mas não encontro os ladrilhos de sorrisos


***

(rio, 22/09/2015. esse poema foi escrito com o claudio, quando namorávamos. o facebook nos lembrou dele hoje, dois anos depois, e nenhum de nós lembra direito quais versos escreveu.)

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

não há cura

a quem se escreve
um poema de revolta?


estou de pé numa rua
em são paulo
e escrevo
não sei se é para mim,
ou se é para o outro


começo      não há cura


não sei aonde vou
não sei aonde essas palavras vão


eu sei que esse, aqui,
é quem eu sou,
todo
— como curar uma pessoa inteira?


escrevo mais uma vez
não há cura


enquanto digito, pergunto
como enformar uma dor?
e por que dar palavras
a uma dor?


então lembro do que ele
me disse uma vez
não deixe o silêncio
se fazer mortalha


é preciso escrever sobre os últimos dias


as cores que vejo na internet
são as do arco-íris
mas eles,
os outros,
carregam apenas o vermelho
do nosso sangue

é preciso dizer que não, não há cura


há mais de quatro anos eu sei
mas a ignorância
       o ódio
       o preconceito
       o medo
te fazem duvidar

ontem minha amiga comentou
a decisão da justiça
minha resposta, o silêncio
prefiro não falar sobre isso
o silêncio poderia calar
a realidade,
mas eu percebo que ele
ensurdece, junto,
minha voz
é preciso escrever
escrever com palavras
o que eu não consegui dizer

é preciso dizer que não há cura
porque em março ou abril de 2013
eu beijei um menino
pela primeira vez
e não houve cura

é preciso dizer que não há cura
porque em agosto de 2014
eu contei para minha mãe
do menino que eu gostava
e ela sabia que
não havia cura

é preciso dizer que não há cura
porque em maio de 2015
eu escrevi “meu namorado é cineasta”
mas minha avó não sabe,
e ela também não sabe
que não há cura

é preciso dizer que não há cura
porque em outubro de 2015
meu pai descobriu
que eu sou gay
(aquele foi o começo)
e talvez ele não saiba
que não há cura
não há cura para quem eu sou

não há cura.
não há cura.
não há cura.


escrevo tudo isso a mim
quero que essa revolta
seja a minha revolta


vá, volte e lute por isso
o exílio te fez esquecer
como era demolir
diariamente
um dos pilares de si


vá, volte, lute
eu digo para mim


e repito      não há cura

***

(são paulo, 29/09/2017. escrito sob efeito dos últimos dias: queermuseu, cura gay, etc.)

terça-feira, 28 de março de 2017

esquecimento é um dom
dos deuses, ela disse
com aquele sorriso que
parece revelar o mundo.
se lembrasse de tudo
daria um tiro na cabeça

mas eu já me matei por muito menos
***

(são paulo, 28/02/2017. escrito sob efeito de uma lembrança e um sorriso.)